Reconhecendo uma pessoa narcisista

Você já teve aquela sensação de estar vivendo uma história de amor intensa, bonita, quase cinematográfica e, de repente, algo muda e você não sabe exatamente o que?

Você se sente mais inseguro(a), confuso(a), angustiado(a) e começa a se perguntar se está ficando sensível demais, carente demais? Se está errado(a) demais?

É assim que, muitas vezes, começa uma relação com um narcisista.

Não de forma grosseira, nem com ofensas diretas. Começa com um certo encantamento. Com um exagero nas demonstrações de afeto. Uma pressa para firmar a relação e até mesmo pedidos inusitados, como o de casamento por exemplo, de forma muito precoce.

Começa com alguém que diz tudo o que você sempre quis ouvir. Que parece te entender como ninguém. Que se conecta com seus valores, seus traumas, seus sonhos, as experiências parecem iguais. Tudo parece encaixar rápido demais.

E é justamente aí que mora o perigo.

Reconhecer um(a) narcisista nem sempre é óbvio no começo. Eles não chegam com uma placa pendurada te alertando, ou sendo transparente o suficiente para que você possa reconhecer que há algo errado ali. Pelo contrário, muitas vezes, parecem exatamente o oposto daquilo que realmente são.

Então, como reconhecer?

O(a) narcisista te “lê” rápido demais. No início, o(a) narcisista faz um mapeamento silencioso de quem você é. Ele(a) já observou tudo o que pôde ao seu respeito nas redes sociais, ele(a) observa o que te emociona, o que te move, onde estão suas feridas. E em pouco tempo, começa a refletir de volta aquilo que você mostrou, como se vocês fossem almas gêmeas.

O que muitas vezes acontece é que a vítima se engana, achando que isso é conexão. Mas isso não passa de uma tática usada pelo narcisista chamada de espelhamento. É a preparação do terreno para que você esteja mais vulnerável.

O(a) narcisista então te coloca num pedestal. Você vai perceber que logo no início, você é “a pessoa mais incrível que ele já conheceu”. Mas, com o tempo, qualquer gesto de autonomia, crítica ou limite da sua parte vira motivo para desvalorização.

Você começa a sentir que precisa “pisar em ovos”, ter cautela em tudo o que faz ou fala. Que precisa se explicar demais. E percebe que, mesmo que se esforce, nunca mais voltará a ser aquela pessoa “tão especial” como ele(a) te via antes. Mas isso não tem a ver com você ter mudado, tem a ver com o jogo de controle emocional que começa a acontecer.

Você começa a duvidar da sua própria percepção. Essa também é uma das táticas mais sutis e destrutivas, o famoso gaslighting (embora haja controvérsias sobre o uso desse termo na prática do narcisismo, eu particularmente identifico como um aspecto bem comum no seu modo de operar, mesmo que alguns teóricos afirmem que, por não terem consciência de suas mentiras, os narcisistas não praticariam gaslighting). Você expressa algo que sentiu, e ele(a) responde com: “você entendeu tudo errado”, “não foi isso o que eu quis dizer” ou “isso é coisa da sua cabeça”.

E aos poucos, você começa a se perguntar se é você quem está sendo injusto(a). Esse é o momento em que você começa a se desconectar da sua intuição.

Eles alternam entre proximidade intensa e frieza. Em um dia, te tratam como prioridade, com carinho e atenção. No outro, te ignoram ou te silenciam. Você nunca sabe em que versão da pessoa vai encontrar.

Essa instabilidade te vicia emocionalmente. Você fica preso(a) no ciclo de amor, afastamento, desculpas e recomeço.

Sempre esperando que o lado bom volte. E as vezes até pensando que o fato de se manter calado(a) pode trazer paz, porque é exatamente o que ele(a) espera de você, que se mantenha passivo aos tipos de punição que está lhe impondo. E às vezes ele(a) até volta ao ‘normal’, mas só o suficiente para te manter preso(a) por mais um tempo.

É muito comum que você comece a se perder de si mesmo(a). Esse é o sinal mais doloroso de todos. Quando você começa a duvidar da sua força, das suas ideias, da sua autoestima, das coisas que sempre fez e gostava.

Você começa a se culpar pelo comportamento do outro. Você se desconecta dos seus amigos, da sua rotina, da sua alegria. Tudo passa a girar em torno de "como agradar" ou "como evitar o próximo desgaste".

Demora pra cair a ficha. A vítima nega. A vítima quer acreditar que pode ser diferente, que ainda dá tempo de voltar à fase boa.

Mas relações com narcisistas não mudam com amor, paciência ou esforço. Elas mudam quando você entende que não está ali pra ser salvo(a), está ali pra ser usado(a).

Reconhecer um narcisista não é julgar o outro. É se proteger de alguma forma. É olhar para o que está acontecendo, sem romantizar. É parar de procurar lógica onde existe muita manipulação.

Você não merece viver nessa confusão emocional constante. Ninguém merece.

Precisamos começar a entender que se algo dói o tempo todo, não pode ser amor. É um ciclo que precisa ser reconhecido para então ser quebrado. E esses rompimentos são mais efetivos, quando são feitos especialmente pela vítima, que decide romper esse laço. Decide olhar para si e perceber que esse é o lugar que não merece estar. Se convida a experimentar um novo caminho, desafiador é claro, mas com grandes possibilidades de se descobrir ainda mais potente e feliz.

O(a) narcisista não está preocupado(a) em te trazer paz, te proporcionar um lugar seguro e tampouco em preservar quem você é, ele(a) está focado(a) em manter o controle, alimentar o próprio ego e te moldar conforme suas próprias necessidades.

Elizângela Negreiros